quarta-feira, 9 de março de 2011

Tempo

Tic. Tac. Tic. Tac. Tic. Tac.
O relógio marca as horas compassadamente, quebrando o pesado silêncio que se instala por momentos nas pequena divisão. As horas passam, como sempre passaram por aquelas paredes outrora brancas, mas que são agora amareladas. A atmosfera de melancolia e preguiça começa a pesar-lhe nas pálpebras. Mas não quer adormecer, não quer perder mais tempo do que já perdeu, ali sentado, a olhar para o pêndulo.
Esquerda. Direita. Esquerda. Direita. Esquerda. Direita.
O pêndulo agita-se lentamente de um lado para o outro, num movimento hipnotizante que o faz querer ainda mais fechar os olhos e adormecer. Mas o tempo perdido não é recuperável. Então porque continua ele ali, preso naquela sala, sem ninguém, a observar o tecido antigo e floreado da poltrona onde se senta? Porque continua assim a olhar quieto para o tempo passar. O tempo. Esse que passa sem nos aperceber-mos. Esse de quem nos arrependemos ter deixado passar.
Tic. Tac. Tic. Tac. Tic. Tac.
O relógio continua incessavelmente a marcar os segundos, os minutos, as horas. Os raios de sol começam a perder força, dando lugar a uma luz cada vez mais azulada da lua. O tempo continua a correr, fugindo do domínio das coisas vivas. E atrás do tempo, sempre ele corre, mais lento, mas corre. E observa de novo a mesa de madeira antiga e gasta, com um jarro com flores. Os seus olhos perscrutam o móvel antigo. Observa os copos que vê através dos vidros das portas do armário. O seu olhar pousa de novo no pêndulo.
Esquerda. Direita. Esquerda. Direita. Esquerda. Direita.
Ele deseja que o tempo também pudesse voltar atrás, tal como o pêndulo volta sempre para a direita depois de ter estado à esquerda. Talvez assim não perdesse o tempo da sua vida à espera. Talvez assim conseguisse corrigir os erros do passado. Talvez assim ela ainda estivesse com ele. Uma lágrima desliza pela sua cara, também ela marcada pelo tempo. A saudade aperta-lhe o coração, dá-lhe um nó na garganta, um vazio no estômago. O tempo roubou-lhe tudo. A vida. O amor. A felicidade. Outra lágrima escorre. Mas o relógio não pára para se certificar de que ele está bem. O tempo continua. Ele olha em volta, recordando-se de quando ele e ela se sentavam ali, aconchegados nos braços um do outro, recontando o passado, falando no presente e planeando o futuro. Futuro. Que futuro é este sem ela? Nada do que planeou. Mas ele continua cá vivo, para agradar aos caprichos do tempo. e mais uma lágrima de saudade escorre pela sua face enrugada.
Tic. Tac. Tic. Tac. Tic. Tac.
Ele sente movimento a seu lado. Alguém entra na sala. O seu coração agita-se. É ela. Ela que já não estava entre os vivos, observava-o agora, com os seus cabelos prateados ondulantes. Estende-lhe a mão. Ele olha para o relógio. É chegada a sua hora. A hora de finalmente se juntar a ela, a única que sempre lá esteve. Olha em volta, procurando por mais alguém. Como sempre, está sozinho. Não hesita e dá-lhe a mão. O seu coração já morrera com ela, de qualquer das formas, pois mais ninguém neste mundo lhe deu razões para voltar a amar. Não era só o tempo que o rejeitava. Eram as pessoas. Ela leva-o, guia-o para fora da sala. Ele olha de novo para a divisão, num último olhar de despedida. Na poltrona, vê o seu corpo, com um sorriso melancólico no rosto, de olhos fechados. A expressão da esperança. A esperança que os muitos que sofreram como ele deixem de sofrer. Observa de novo o pêndulo.
E o pêndulo está parado, assim como o seu coração que já não bate, mas que está mais vivo do que nunca.

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